quinta-feira, dezembro 14, 2017

A POESIA DE FÁBIO DE CARVALHO


POEMA LIMPO

A tempestade permanece.
O vendaval aí está.
Mas eu permaneço.
Larga é a minha esperança.
Longa ainda será minha caminhada.
Inconcluso é este meu ser.
Peregrino ponteiro que olha adiante.
Mas para trás também se olha.
Não é preciso volver a face.
Fechar os olhos relembra.
Sente-se o peso dos passos sobre a terra.
O chão está aí para isso.
Como sempre estará.
Eu não deixo que a minha chuva cesse.
Não vai de mim este temporal que explode.
Acabo por ouvir-me no próprio vento.
E vejo que também sou ouvido por ele
do alto desta montanha, que sou eu...
A caminhada nunca terminará.
Sempre ando até mim e me abraço.
Sonho com a calma deste vento que me acompanha
concluindo que é em vão querer livrar-me.
Então paro na caminhada que é minha missão
mas logo vejo que também é em vão.
Devo ir sempre, como meus vendavais.
Vem e cura-me, tempo só meu.
Sinto que a palavra já não alivia.
Eu sou assim como o abstrato feito deste poema limpo...

CIRCUNSPECÇÃO

Meus olhares são sensatos.
Observo a sombra que transmito.
Vejo minha alma de perto.
Toco-a com minha visão.
A sabedoria dos meus olhos me convence.
Vejo em mim este brilho de alma natural.
A minha sombra que lembra escuridão
é a expressão mais intensa daquilo que sou.
Vago em meus brilhos sombrios.
Preciso do sol para iluminar essa aura que me acompanha.
Pondero tudo àquilo que chego a crer.
Preciso muito da resposta que o tempo guarda.
O juízo que aplico é de caráter consciente.
Busco na escuridão de mim uma luz de sabedoria.
Meu discernimento é como o de uma cachoeira.
Deixo que passe por mim tudo o que vier sem que eu seja pedra nem desvio.
Pertenço às coisas que meu semblante desconhece.
Mas se o tempo é surpresa que não tarda
e os meus dias não são meus e que passam logo,
hoje eu sou o que nunca fui, sem destino nem caminho estreito.
Meu discernimento é natural como alguma porta aberta.
Caminham até mim incertezas e solidão.
Mas quando o vento rodopia e enfim devasta,
recomponho-me como um vendaval sem rumo e guia.
A gravidade de me encontrar é algo simples.
Vejo-me, toco-me e reconheço-me.
Abraço-me, olho-me e juro que ainda não sou
o que devo ser e que julgo necessário.
Veio de longe o meu olhar, e por essas distâncias,
perdem-se largas interpretações da minha mente.
Vejo-me por fim, um eco agudo e de ano-luz.
Sinto-me enfim, semente plantada, mas sempre em busca...

VENDAVAL

O vento se dissipa,
mas eu sou o próprio vento.
Vai de mim longa tempestade!
Vago vendaval humano...
Cai uma chuva de brasa.
O vento se transforma em melancolia.
As minhas incertezas, todas se diluem.
Sou eu o vento em brasa.
Sou eu brasa humana quase apagada.
A minha indecisão é olhar este sol
que hoje não quis sair.
Vejo-me como esta nascente
sem hora de talvez, surgir...
A orla já não existe.
Sou eu a própria orla.
As minhas ondas se desvaneceram
como esse dia que se foi.
O clamor da noite já se prepara.
Anoitecer de poente triste
é o meu coração talvez jazido
em lápide florida em lodo.
Eu, o vento longe, vago...
...fui-me talvez sem horizonte
a refazer-me, a recompor-me.
Fiz-me a cinza, o pó, a bruma
para renascer da alta chama...

FOLHA

A liberdade é uma folha que caminha.
Vai-se pelo chão, empurrada pelo vento.
Eu também me vou.
Mas o vento não me inspira.
A folha é quem me desperta a liberdade.
É-me natural ver a liberdade de uma folha.
As folhas são livres!
Mais livres do que muitos homens independentes.
Eu não possuo a liberdade de uma folha,
mas eu caminho contra a direção dos ventos,
guiando meu próprio destino.
Por trás desse gesto natural eu me disperso...
...e fico a procurar fora de mim
um sentimento natural
que não seja trazido pelo vento.
O meu caminhar é sempre contrário.
Mas eu não caminho contrariando-me.
É por isso que eu não me rastejo
como a folha que o vento leva.
Eu sigo caminhando
contra ou a favor dos ventos,
desenhando o meu destino,
com ou sem emoção.
É mais uma folha que eu escrevo
e que este vento não leva.

DECLIVE

A montanha não se move,
e eu me encontro aqui
contemplando este monte, sem pressa.
Ponho-me a imaginar a montanha se movendo.
[ A montanha sou eu. ]
Do alto dela vejo-me contemplando-a.
Minha cabeça é o alto deste monte.
Daqui do chão vejo sua altura.
Vejo que a montanha também é chão.
[ Então piso-me levemente. ]
Se eu chego ao monte alto,
sinto o vento mais forte.
Mas se fitá-lo de baixo,
mais forte é a minha emoção.
[ Quero escalar-me. ]
Se eu paro no meio do monte,
paro em mim mesmo,
sentindo-me percorrido,
vendo-me na própria distância.
[ Desejo caminhar até mim. ]
Diante de mim
vejo-me no monte.
E diante do monte,
vejo-me nele próprio.
[ Sou este eterno monte que desejo escalar. ]

AVE

O meu nome é liberdade.
Eu sou aquela ave que submerge as nuvens.
Assim saem de mim as prisões celestiais.
Os meus voos confundem-se com as minhas livres caminhadas.
Mesmo sem que os meus braços
transformem-se em asas
sinto-me nas alturas
em elevação humana.
Assim mais próximo deste firmamento
sinto-me divino na humana maneira de imaginar.
Vejo que sou livre e que no alto eu me encontro.
A cada metro deste chão reafirmo-me mais seguro.
Do alto, sou uma ave que vaga e que busca
no céu, o chão da liberdade que sobrevoa.
Eu fiz uma trilha que é o meu “caminho-firmamento”.
Não vago triste,
pois sou este que se liberta.
Surge de mim a vastidão livre do mundo
enquanto voo neste meu sonho precioso.
Do chão busquei asas
que me fazem ser sempre mais.
E sendo mais, creio que há mais para ser.
Clama de mim verdadeiro desejo de ser livre.
Nos céus eu me ponho em liberdade que se renova.
É vasto o tempo e imensa a minha busca.
É livre o meu pensar
que encontra aquilo que me completa
e me renova,
pois tenho asas que me liberta.
O céu é largo, mas ínfimo à liberdade.

VAPOR

Eu sempre me desfaço como a água.
Sempre escorro pelos lugares mais dispersos.
Faço-me um lago de fendas sem rumo.
Adentro o chão e evaporo para o céu.
Abro meus braços como as asas de uma águia.
Tenho olhos visionários, talvez, como os de um falcão.
Preso no céu a terra parece evaporar-se.
A cada longo caminho, a caminhada se renova.
Deixo para trás tudo aquilo que me desfalece o espírito.
Sinto que um dia ele fará como as águas.
E evaporando para os limites dos céus,
encontrará no vapor etéreo, a graciosidade do desconhecido.
Vingam em mim contemplações da mente humana.
A cada marcha, largo pelos caminhos minha essência e suor...
...que se evaporam.
Contudo, a mente prossegue,
mesmo tendo as pernas amarradas.
Submerjo meus olhares nos atos neutros.
Neutralizado, penso em desvanecer-me enquanto há tempo.
Mas o tempo também se evapora
e com o passar dos dias, eu evaporo como o tempo.
Espero sempre que a minha alma se recolha.
O silêncio também dissolve em bolhas, em ar quente, meus pensamentos.
Mas sempre que um pensamento se esvai,
logo um outro chega, e sem que eu perceba, ele se evapora.
Eternamente, as minhas conclusões são feitas de vapor.
Logo que as retiro de mim ou das coisas, perco-as.
E enquanto vejo-me, assim, disperso como a folha seca que cai da arvore,
concretizo meu dia como o canto de um pássaro quando acaba.
De contínuo, como tudo se perpetua, sigo atravessando com os dias, ideais.
Prontamente, concluo-me como um calendário passado.
Logo tenho a certeza que fui vapor, e ainda assim, evaporarei...
...como o gás emanado da metamorfose da água.

ARTE

Eu sempre desenho a vida escrevendo.
Mas para isso eu devo sentir-me vivo.
Desconhecer a vida em si não é tarefa minha.
Por isso eu não pinto a vida.
Eu escrevo-a vivendo intensamente.
Jamais coloco fatos nas páginas do meu destino.
Ele representa para mim
um desenho natural.
Nunca rabisquei um dia
Ou uma semana para vivê-la.
Por isso eu crio a obra executando-a
como quem fala sem meias palavras,
como quem vive, vivendo...
Esta obra composta por mim
é a minha existência vivida profundamente.
Meu gesto mais forte em vida é compor.
O meu ato maior, o cerne em si de viver.
Viver para mim é sentir-se vivo,
achar-se pleno, ver-se no amanhecer,
que renasce, ressurge...
...como se um sol vivo dentro de si explodisse.
Nunca reprovei um gesto meu de criação.
A vida para mim é uma constante poesia.
Uma arte derradeira que renasce a cada ato.
As minhas ações não perecem quando findam,
pois de pronto surge um novo ato
fazendo renascer a vida nova
diante de mim e de tudo mais...

DESENHO

Descrevo-me como a natureza.
Ela faz o sol se pôr.
Eu me ponho em muitos lugares
e concluo que não brilho como o sol.
Sempre observo a noite vertendo escuridão.
Estrelas rompem a penumbra celestial.
Madrugada serena origina o silêncio.
Mas interrompo o silêncio com a poética que emana
do meu silêncio-metamorfose.
O amanhecer me abre os olhos.
A luz do dia ergue-se me erguendo.
E enquanto a fome encoraja passarinhos a voarem sem destino,
vou acordando os meus dias.
E com todos já traçados,
não há como descarregar deles, incertezas,
para redesenhar o esboço da obra,
e deitar sobre a moldura, recompostas pinceladas,
com iguais  cores, mas de profusos sentidos.
Calma é sintoma quando a alegria de algum dia me invade.
Mas a alegria dos dias sempre existirá.
E é para todos.
E me define, como qualquer tristeza,
que carrega o sintoma que também desenha
e redesenha qualquer um que se faça triste,
ao inquietar-se, em tormento,
ao abrandar-se, quando sossega.
É justo desenhar-se.
Redesenhar-se é retidão.
Ainda a natureza, igualmente, é mutante,
em ascensão e declínio,
configurando-se por direito
no declínio ou na ascensão.
Somos natureza, que precede e incide,
letárgica e ressuscitada.
Natureza humana e Santa Natureza
a quem o mundo glorifica e profana.
Cultivemos seringais!
É preciso coragem!
Todos nós precisamos de borracha...
Eu caminho em direção ao tempo,
Mas recuo.
Abro a janela do destino,
buscando-me a cada dia, procurando conhecer-me,
inconscientemente.
O lado oposto da estrada
é o meu lado do coração.
A reta contínua do destino confunde-me,
mas prossigo.
Vejam: há adiante caminhos eternos.
Todos eles me constituem.
Por isso percorro-me.
Sou de profundeza singular e de caminhos plurais.
O mesmo eu reproduz-se.
Mas insurgem de mim vastidões de egos.
Sou as estradas que percorro,
a curva, a reta,
as direções sem fim...
Eu sou o destino.
Sempre perto, sempre longe.
Alegre e triste.
Acontecido e para acontecer.

ESPERANÇA

A noite decai sobre mim.
Mas eu sou a própria noite.
Abandona-me, escuridão celeste.
Vasta inquietação humana.
Hoje a tempestade não veio.
Mas a correnteza continua seu trabalho.
O ponteiro não para, seu ato é externo.
E a minha sombra continua e me acompanhar.
O vento também semeia do céu as aves.
Esta é a sina de cada estação.
Existir não é uma questão de querer.
Ouvir-se é o primeiro passo.
O farol do meu templo é de grandeza perpétua.
Portas se abrem com a arte de sonhar.
É intenso partir sem olhar para trás.
Cada pedra existente é o desenho da esperança.
Busco em um outeiro o reflexo da luz do meu horizonte.
Mas sei que logo o ocaso voltará.
Cada circunstância da vida deixa resquícios atemporais.
Por isso a estrada é o espelho de toda caminhada.
Cada gesto da natureza é uma metamorfose constante.
Por isso chove e eu sei que sou a própria chuva.
Cessa e deixa-me, vendaval dos tempos.
Faz-me folha livre, mas que o vento não me guie.
A escultura de cada estação é feita de destino.
Descobrir-se na escultura é achar-se arte humana.
Amanhece em mim a expressão do pensador
me eternizando como o mar que não evapora.
Não há retorno de tempo. Tudo é chama.
Cada dia que surge é uma passagem derradeira.
Ser e estar são o mesmo que ouvir-se e existir.
Verte-se o vapor que a expressão dos olhos lança.
O futuro estar no agora que será qual folha que vento leva.
É ilimitado este presente que se procria.
O princípio deste agora é o que se vive.
“Esperança não é vir, é não dissipar-se quando for...”.
Mas a noite se debruçou.
Sinto-me por fim essa escuridão.
Mas logo serei o intenso amanhecer.
Infinita luz de vida humana...

TEMPESTADE

Despedaça a tempestade.
E eu escorrendo.
Anda em mim terremotos,
chuvas, imagens
deste céu que aniquila
trovões...
Relampeio na solidão noturna.
Vejo meu brilho que rasga o silêncio.
Sou a luz que se esconde.
Sou a voz que não fala.
Vendaval de dilúvio que se prepara.
Gotas temporais saem de mim vorazmente.
Meu segredo é saber ser esta tempestade.
Algo diz que meu céu só desaba desgosto,
que de mim despontam tufões e extensas ventanias.
Por fim cessa a tempestade.
Cessa porque preciso dormir.
Estanco estes invernos estrondosos
sempre que choro-me.
E quando minhas lágrimas sustam
esta tempestade,
este eu-temporal se esvai.

EU, DENTRO DE MIM...

...mas eu vago na noite que é longe e que passa.
Esta é a natureza das coisas.
Passo por esta noite como o vendaval.
E fico na memória de um só dia.
Não me sinto chama como o fogo alto.
Basta-me a liberdade de andar em meu declive.
Sou substância humana que não cessa
como este vento que traz tempestades.
O que pensar diante do próprio ego?
Dentro de si nem sempre nos achamos.
Perder-se do próprio ser é sempre a pior tragédia.
Prisão não é estar preso é não querer ser livre.
Mas mesmo sendo peregrino,
- “o caminhante de cada estação” -,
encontro em mim meu eu em liberdade
capaz de ser meu principio eterno,
terno ser, de começo sem fim...


FÁBIO DE CARVALHO - Poemas extraídos da obra Poema limpo: eu, dentro de mim (Amazon, 2017), do poeta, historiador, professor, arte-educador, compositor e músico Fábio de Carvalho Maranhão. É idealizador do projeto Lançando Poetas, desde 2010, com lançamento de 16 poetas na antologia Um tiquinho de cada (2010), e 31 na antologia Palavras da Vida: poemas que ensinam a viver (2010). É editor dos blogs Poeta Fábio de Carvalho, A crônica da semana & outras prosas & Toda Opinião. E veja muito mais aqui.